quarta-feira, 12 de junho de 2019

Um fim no espelho (Enquanto Acaba)


 Me diz você: acredita nisso das pessoas nascerem destinadas a se encontrar?Como se um aparente esbarrão na rua fosse fruto de algum algoritmo místico ou coisa que o valha? Ou você acha mais confortável a ideia de que tudo é uma grande coincidência? Como o dia em que nos conhecemos, em que a moça do café errou meu pedido, me fazendo atrasar, enquanto você voltava para procurar seu casaco que ficou exatamente na mesa ao lado da qual eu me sentei.


Bastaria uma dessas coisas não ter acontecido e, provavelmente, nós jamais teríamos nos encontrado. E episódios como nossas viagens pelo Nordeste, os shows que fomos juntos ou as aulas de ukulele jamais teriam existido. Então, coincidência ou predestinação? Me faço a mesma pergunta e sinceramente não sei responder. Só posso pensar que as duas únicas respostas possíveis são angustiantes para mim.

Por um lado, o tempo que passamos juntos estava escrito. E o que para alguns pode ser sinal de algum tipo de perfeição, me parece muito mais algum sinal de falta de autonomia que torna tudo menor.

Do outro lado da moeda, a opção de aceitar que nosso encontro foi resultado de uma grande combinação de eventos aleatórios, sem qualquer motivação em comum, me traz de volta para o momento atual e me desperta mais uma vez a dúvida: Se tudo é possível, ainda somos possíveis juntos?

Ou é melhor pensar que não há razão para nada, seria melhor forçar-me a parar de querer enxergar nosso encontro como o mais importante da minha vida, encarando-o apenas com algo que só teve forma quase que acidentalmente.

Há uma semana terminamos.

Foi de repente. Nenhum dos dois imaginava isso no início daquele dia. No entanto, quando começamos a falar do futuro, nós dois sabíamos que o momento era aquele. Foi uma escolha nossa, mas parecia que tudo havia sido preparado para acontecer naquele instante.

Nosso último beijo acabou nos levando a algo mais intenso e, ao fim do fim, algumas juras de gratidão, respeito e principalmente de que ficaríamos bem. Te acompanhei até o portão, onde estava sua bicicleta e você saiu sorrindo como quem voltaria logo.

Uma despedida bem diferente do que qualquer padrão que eu seria capaz de imaginar.Fiquei lá fora um pouco e comigo uma sensação que só posso comparar a uma maré baixa: tranquila, mas sem qualquer alegria. Lá dentro, a solidão me esperava.

Minha cabeça começa a doer logo que o sol invade  meu quarto pela janela, como quem me avisa que a realidade é inevitável, por mais que eu queira o contrário. 
Tento remontar a noite anterior. No primeiro momento me pergunto se não foi tudo um mal-entendido, que talvez agora seja hora de conversarmos novamente, mas é preciso aceitar. Você se foi.

Buscando algum tipo de distração peguei o celular e vi a linda postagem em que você me marcou. Eram cinco parágrafos de agradecimento pelo tempo que passamos juntos, em que você minimizava o fim e exaltava o nosso encontro, os momentos vividos e o quanto crescemos na companhia um do outro. Jurou que não mudaria nada em nossa história e que acreditava em um futuro feliz para os dois.

Respondi com outro post, com uma foto do início do nosso namoro. Foquei em te agradecer pela pessoa que você ajudou a me tornar, relembrei momentos como o da foto escolhida e falei ali, para toda internet ver, que torcia pelo seu sucesso independente do lugar que você escolheria ir.

Na mesma medida em que choviam likes e comentários bonitos, a angústia crescia em mim. Eu havia sido sincero? Certamente não. Mas foi uma atitude madura. Então será isso? Maturidade tem a ver com mentir para si mesmo em alguns casos, para que os outros julguem seus atos como uma boa postura? Apesar de esse ser o caminho que eu estava pegando, ele não fazia nenhum sentido lógico para mim.

Durante os dias seguintes também precisei ser falso comigo mesmo, forçar-me a sair de casa e continuar a viver, afinal havíamos prometido permanecer bem. Passei a ir de bicicleta para o trabalho, com a desculpa de enfim me exercitar, mas por vezes me vi diminuindo a velocidade e aumentando a atenção quando passava pelas ciclofaixas que eu sabia que você pegava.

Mas só tivemos contato novamente pelas redes sociais. Eu me sentia bem cada vez que você respondia com atenção os comentários que eu fazia em suas publicações, também passei a postar mais coisas, para te ver interagindo comigo. Sempre que eu tinha essa “sorte” você me parecia estar bem. E, mesmo sem te ver, eu imaginava cada postura sua com aquele brilho no olhar, que é habitual seu.

E, quando essa tentativa de interação não era correspondida, eu encontrava sempre tua presença em cada um dos vários objetos seus esquecidos pelo apartamento. Um fone de ouvido na mesa de centro; um isqueiro em formato de violão ao lado do meu violão; um piercing novo, que você comprou e ainda não tinha colocado; além de algumas peças de roupas, cada uma em um canto diferente.  Por mais que houvesse ali um pouco de dor, prevalecia a esperança que, em alguma hora, você usasse a chave que deixei contigo, mesmo que fosse somente para vir buscá-las.

Isso aconteceu justamente hoje, enquanto eu lia, novamente, mais uma parte das mensagens que trocamos durante os 5 anos, 3 meses e 11 dias em que estivemos lado a lado. Você não usou suas chaves, é claro. Chegou como uma visita normal, tocou a campainha, pediu desculpas por não avisar, explicou que saiu de casa sem ter certeza que viria e perguntou apenas se poderia pegar as coisas.

Se havia brilho em seu olhar eu não pude perceber, afinal, pela primeira vez, você evitou um contato visual. Passou por mim de cabeça baixa e recolheu os objetos que preenchiam a bagunça, de forma tão rápida que revelava o quão bem você conhecia aquele espaço.

Jogou tudo na mochila, deixou a chave em cima da mesa, saiu e só disse tchau quando já começou a pedalar, dessa vez sem olhar para trás. Dessa vez você não voltaria. Por fim...o fim.

No fim não há posts, juras ou bons momentos. No máximo, as lembranças que deixamos ou as coisas que esquecemos. Você esqueceu seu isqueiro. E por mais que isso prorrogue minha dor, escolhi olhar para ele todo dia, como quem faz da tristeza um chiclete, que fica na boca até perder completamente o gosto. Resolvi deixá-lo onde estava, até que eu esqueça dele também, enquanto lembro que nada acaba bem nesse mundo.





Um espelho trás apenas uma imagem refletida. Quer conhecer o outro lado dessa imagem? clica aqui.



quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O mundo de cabeça pra baixo.






BR, fim de tarde, som alto, 100 km por hora, tudo certo... não vai dar tempo,
caminhão...



Assim como Platão, eu penso que estamos sempre querendo aquilo que não temos. 
E quando somos crianças isso se potencializa, porque acreditamos que os adultos podem mais. Quando você é uma criança pobre, sem muitos amigos e com uma mãe
superprotetora, então, não há outro caminho, a não ser, querer crescer.

Fui uma criança que passou muito tempo preso dentro de casa. Brincar na rua não era uma opção, por conta do perigo, dos carros e más influências.
 E, talvez por isso, eu tenha crescido alucinado por carros e por más influências.

Esperei a maioridade com tanto desejo que minha mente já sabia exatamente o cara que eu queria ser: esperto, aventureiro, corajoso e vários outros adjetivos que somente a imaturidade pode desejá-los em conjunto.

Lembro-me que, a cada aniversário, eu comemorava não o fato de ter um ano a mais, mas de faltar um ano a menos para os 18 anos.
Minha vida era uma eterna espera dos “dias melhores que estavam por vir”.
E, se há algo de resiliente em mim, devo, talvez, a essa época, em que colocava para o futuro toda responsabilidade de ser feliz.

Quando a maioridade finalmente chegou me soou como um tiro de largada.
Eis que era a hora tão sonhada.
Consegui minha permissão para dirigir, herdei o Escort Hobby do meu pai, entrei no primeiro trampo que me ofereceram e me convenci de que a vida havia mudado.

E, revestido de super-herói, fui viajar com alguns amigos...



... BR, fim de tarde, som alto, 100 km por hora, tudo certo... não vai dar tempo,
caminhão…



Uma ultrapassagem malsucedida me colocou em uma das situações mais complicadas da minha vida. Bati no carro em que eu tentava ultrapassar, o impacto me fez perder o controle e vinha um caminhão no outro sentido. A única opção possível foi puxar o carro para o acostamento, foi aí que o carro capotou.

Sempre que conto essa história é normal que me perguntem se tive medo de morrer. A resposta sempre foi dada com tranquilidade: – Não.
 O medo veio depois que o carro parou.
Como adiantei, não viajava sozinho, então, os milésimos de segundo que antecederam a confirmação de que os demais estavam bem foi o que realmente me abalou.

Passamos muito tempo projetando imagens de nós mesmos para nós mesmos e, por
vezes, nos esquecemos de que quando tomamos direções, quase sempre, tem alguém tomando carona.

Ver o mundo de cabeça pra baixo, enquanto o carro virava, não me assustou, mas pensar em quantos esperavam que eu voltasse em segurança daquela viagem me fez querer repensar o controle da minha vida, os planos que tinha pra mim e principalmente os planos que queria ter em conjunto com os que amo.

Quando o carro parou, pude ver que todos estavam bem. Hoje faz 10 anos daquele dia, mas ainda me alivia saber que estão bem. Quero estar bem também, por todos que, de alguma forma, se importam e, assim, poder seguir, enquanto a viagem continuar.



Dedicado a : Rony Sales, Houston Herculano e Felipe Guilherme.

revisão textual: Jéssica Maria.