quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O mundo de cabeça pra baixo.






BR, fim de tarde, som alto, 100 km por hora, tudo certo... não vai dar tempo,
caminhão...



Assim como Platão, eu penso que estamos sempre querendo aquilo que não temos. 
E quando somos crianças isso se potencializa, porque acreditamos que os adultos podem mais. Quando você é uma criança pobre, sem muitos amigos e com uma mãe
superprotetora, então, não há outro caminho, a não ser, querer crescer.

Fui uma criança que passou muito tempo preso dentro de casa. Brincar na rua não era uma opção, por conta do perigo, dos carros e más influências.
 E, talvez por isso, eu tenha crescido alucinado por carros e por más influências.

Esperei a maioridade com tanto desejo que minha mente já sabia exatamente o cara que eu queria ser: esperto, aventureiro, corajoso e vários outros adjetivos que somente a imaturidade pode desejá-los em conjunto.

Lembro-me que, a cada aniversário, eu comemorava não o fato de ter um ano a mais, mas de faltar um ano a menos para os 18 anos.
Minha vida era uma eterna espera dos “dias melhores que estavam por vir”.
E, se há algo de resiliente em mim, devo, talvez, a essa época, em que colocava para o futuro toda responsabilidade de ser feliz.

Quando a maioridade finalmente chegou me soou como um tiro de largada.
Eis que era a hora tão sonhada.
Consegui minha permissão para dirigir, herdei o Escort Hobby do meu pai, entrei no primeiro trampo que me ofereceram e me convenci de que a vida havia mudado.

E, revestido de super-herói, fui viajar com alguns amigos...



... BR, fim de tarde, som alto, 100 km por hora, tudo certo... não vai dar tempo,
caminhão…



Uma ultrapassagem malsucedida me colocou em uma das situações mais complicadas da minha vida. Bati no carro em que eu tentava ultrapassar, o impacto me fez perder o controle e vinha um caminhão no outro sentido. A única opção possível foi puxar o carro para o acostamento, foi aí que o carro capotou.

Sempre que conto essa história é normal que me perguntem se tive medo de morrer. A resposta sempre foi dada com tranquilidade: – Não.
 O medo veio depois que o carro parou.
Como adiantei, não viajava sozinho, então, os milésimos de segundo que antecederam a confirmação de que os demais estavam bem foi o que realmente me abalou.

Passamos muito tempo projetando imagens de nós mesmos para nós mesmos e, por
vezes, nos esquecemos de que quando tomamos direções, quase sempre, tem alguém tomando carona.

Ver o mundo de cabeça pra baixo, enquanto o carro virava, não me assustou, mas pensar em quantos esperavam que eu voltasse em segurança daquela viagem me fez querer repensar o controle da minha vida, os planos que tinha pra mim e principalmente os planos que queria ter em conjunto com os que amo.

Quando o carro parou, pude ver que todos estavam bem. Hoje faz 10 anos daquele dia, mas ainda me alivia saber que estão bem. Quero estar bem também, por todos que, de alguma forma, se importam e, assim, poder seguir, enquanto a viagem continuar.



Dedicado a : Rony Sales, Houston Herculano e Felipe Guilherme.

revisão textual: Jéssica Maria.